Aí começa a segunda etapa: crianças aparecem, e nos tornamos os Pais dos Nossos Filhos. Começamos a ver o mesmo filme, só que agora estamos do outro lado. Somos nós que começamos a dar duro para alimentar, cuidar, prover. Chega a nossa vez de negar o brinquedo, de mandar pentear o cabelo, de obrigar a tomar sopa, de ralhar, de proibir. E também é a nossa vez de pôr no colo, acarinhar, ensinar a ler (tem coisa mais bonita do que um filho lendo, uma filha escrevendo?). Mas a lei do mundo é de ferro. Eles crescem. Sentem-se sufocados. O dedão começa a coçar-lhes, pedindo-lhes a chance de sair de mundo afora, dando as próprias topadas. Adeus!
Pensamos que o filme acabou, mas quando nos viramos de lado, avistamos quem? Eles, nossos pais, que agora estão velhinhos e meio escangalhados pelo catabis da vida. As crianças sumiram, não precisam mais de nós, mas aqui estão estas crianças enrugadas, de cabelos brancos, já batendo biela e precisando de uma supervisão técnica. E nessa terceira fase, por volta dos quarenta, viramos Pais dos Nossos Pais. É nossa vez de proibir coisas (“Papai, largue esse cigarro agora mesmo, onde já se viu”), de dar ordens (“Pois pode ir trocar de roupa que a senhora vai pro médico é agora”). Velamos as suas febres, aturamos seus achaques, pagamos agora em paciência a paciência que velou tantas noites (só agora reconhecemos a cena) à nossa cabeceira.
E eles se vão. Tantos outros estão a ir-se que começamos a pensar se um dia não nos iremos nós também. E na curva vagarosa dos setenta percebemos que nos cansamos um pouco: criamos os filhos, cuidamos dos pais, será que a vida é só trabalho? Será que ninguém vê que a gente não é de ferro, que a gente se cansa, que a pessoa se estressa? E aí, por uma dessas simetrias que parecem desenhadas por mão divina, os papéis mais uma vez se invertem. E viramos os Filhos dos Nossos Filhos. Tudo que demos voltamos a receber. “Vivendo e aprendendo”, diz a sabedoria popular. E ensinando também. Se a vida se limitasse só a aprender, ou só a ensinar, seria de um egoísmo insuportável. Recebemos, e passamos adiante. A melhor maneira de pagar um favor, às vezes, não é devolvê-lo, é passá-lo adiante. Pagar, mas não a quem nos deu, e sim a quem esteja precisando. Se a vida não ensinar isso, não ensinou nada.
Texto: Braulio Tavares
Nenhum comentário:
Postar um comentário